sábado, 9 de maio de 2009

Já valeu a pena!


Mais uma pauta, mais um dia de trabalho. A falta de rotina, se torna também uma rotina. Tudo é diferente, todos os dias, e assim, tudo é igual.
9h da noite de quinta-feira. O rádio toca e a chefia informa o horário de trabalho no dia seguinte. Por curiosidade, diferente de todos os dias, pergunto qual é a pauta. Do outro lado, o colega responde: "vagas escolares para crianças especiais".
Confesso ter menosprezado a matéria. Não o assunto. A dificuldade de encontrar escolas especializadas e preparadas para atender crianças com necessidades especiais é uma realidade no nosso país.
Mas, ao ouvir a frase tão suscinta imaginei um reportagem burocrática, cheia de números, com a relação da grande quantidade de crianças deficientes para um restrito leque de vagas. Uma pauta técnica, sem nenhum resultado prático, a não ser, levar ao conhecimento de todos a realidade dura de quem luta para levar uma criança especial ao banco escolar.
No dia seguinte, com a pauta em mãos, vejo que a proposta é mostrar a luta de uma jovem mãe, Tatiane da Costa Correia, para manter o direito da filha de frequentar a escola. O endereço fica no Morumbi, bairro nobre da zona sul da cidade. Mas a casa, um canto de dois cômodos, emprestado pela mãe de Tatiane, fica numa comunidade carente.
No primeiro contato com a menina, um sorriso enorme se abre e a euforia nas mãos nos dá as boas vindas. Um sorriso que esconde uma vida difícil, de luta e sofrimento.Anne Ketlin Correia, de sete anos, nasceu com paralisia cerebral. Não anda, não fala e se alimenta por sonda. Ela era alimentada pela mãe quando nossa equipe chegou.
Na casa simples, típica de periferia, tudo é improvisado. A cadeirinha do banho, que deveria ser especialmente adaptada, uma cadeira plástica, frágil, de criança, ganhou calsos feitos com lata cheia de cimento. O berço tem cabos de vassoura na base para sustentar o estrado. A mãe não pode trabalhar já que a filha depende dela em tempo integral. As despesas da casa, remédios e curativos da sonda são pagos com um salário mínimo, 465 reais, benefício do INSS.
Mas, apesar de todas as dificuldades, a família é feliz. Tatiane tem ainda um filho mais novo, Gabriel, de 3 anos. O que mais dói no coração de Tatiane é não poder garantir à Anne um dos direitos básicos da criança: o direito de ir à escola.
A menina frequentou uma escola infantil dos 5 aos 6 anos. A creche era preparada para crianças especiais como ela. Mas, ao completar 7 anos, teve que buscar outra escola, de ensino fundamental.
Só que em toda a região a mãe não encontrou nenhuma escola preparada para receber uma aluna com paralisia. E como ela mesma disse, " de anda adianda deixar a filha numa escola para ficar sozinha, sem apoio, olhando para o teto". A mãe peregrinou em várias escolas de são paulo, procurou autoridades municipais. E nada. A mãe era mandada de porta em porta e sempre ouvia duas respostas: "não temos vaga" ou "não temos estrutura para crianças assim".
Com o coração apertado, partimos da casa da crinça direto para a secretaria estadual de educação. Em contato com a acessoria de imprensa, fomos encaminhados para a Diretoria Regional de Ensino Centro Oeste. Para minha surpresa, o problema foi imediatamente resolvido. Anne foi matriculada pela dirigente regional de ensino, Walkyria Cattani, no colégio "Pequeno Cotolengo", em Cotia, na grande São Paulo. Uma instituição sem fins lucrativos, conveniada com a secretaria estadual de educação, especializada no ensino a crianças especiais. A distância da casa à escola também não será problema. O transporte, ida e volta, também foi garantido à menina.
Mais do que construir uma reportagem, conquistar por meio do nosso ofícil resultados que significam vitória à luta de uma família, é ver cumprida a missão de ser jornalista. Valeu a pena.

2 comentários:

  1. Fabiola: acompanho suas matérias na Band. Estou nesta profissão há 26 anos. Como você, ainda continuo gostando das reportagens de cunho social, que fogem das intrigas armadas pelos nossos políticos. Três meses atrás banquei (sou editor chefe)uma pauta de menino prodígio. Criança especial, ele aprendeu a ler com um ano e nove meses. Com três anos hoje, tinha o sonho de conhecer os jogadores do São Paulo. Que alegria ao ver realizar esse sonho e depois trazer um cartão, escrito por ele mesmo, agradecendo pelos momentos felizes que viveu no centro de treinamento do tricolor, na Barra Funda. Continue nesta pegada. O jornalismo atual precisa disso. abraços. Luis Alberto

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  2. São detalhes que nos fazem continuar em frente nessa profissão difícil e meio tumultuado que escolhemos para tentar mudar o mundo nem que seja ao nosso redor. Parabéns, Luís. E boa sorte sempre para que possa continuar a realizar sonhos como esse.

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